10 de março de 2015

Inezita Barroso (1925-2015)


A grande rainha da música de raiz, Inezita Barroso, faleceu no domingo, aos 90 anos. Bem no dia da mulher, descansou uma das mulheres mais importantes da música brasileira. Desde muito cedo, a música adentrou sua vida pela porta da frente: sua infância era cercada por ritmos diversos e nas idas e vindas entre o bairro da Barra Funda e a fazenda da família no interior, foi flechada no coração pelas tradições populares, lendas e todo o cancioneiro relacionado ao mundo caipira. A partir dessa sua paixão precoce pelas raízes populares brasileiras erigiu toda a trajetória profissional: cantora e instrumentista, folclorista e professora, pesquisadora e bibliotecária, atriz e apresentadora. Deixou seu coração em todas as atividades que encarou. E se rebelou desde muito nova contra convenções radicais e o machismo reinante. Bateu o pé quando quis ser cantora ( depois de ouvir Carmen Miranda) e ousou tocar viola em um tempo em que mulher passava ao largo desse instrumento. Convenceu seu pai a entrar numa escola de piano, pois era o único instrumento que ele permitia, mas logo já estava com a viola na mão e nunca mais a largou. Com ela a tiracolo ou mesmo um violão, começou a se infiltrar em rodas musicais e recolher canções do imaginário popular, como "Moda de Pinga", um dos seus maiores sucessos. Na época da Vera Cruz, participou de nove filmes. No final de uma dessas filmagens, pegou um jeep usado e partiu para o Nordeste com o objetivo único de pesquisar música. Imaginem a cena: atriz, dirigindo um jeep e pesquisando música no meio do sertão - tudo o que uma mulher típica dos anos 50 jamais imaginaria fazer. Inezita sempre foi ousada e sempre brigou pelo que acreditava. Em disco, gravou muita moda de viola mas nunca se esqueceu do seu lado urbano: foi a primeira a gravar Ronda, de Paulo Vanzolini, e também gravou Noel Rosa e Billy Blanco, entre outros. Foi a primeira cantora contratada da TV Record e só teve uma pausa mais longa na discografia entre 1961 e 1968, período em que os holofotes estavam voltados para a Jovem Guarda e os festivais. Mas não acomodava jamais: estudou muito, fez biblioteconomia na USP, deu aulas de violão e nunca parou de pesquisar as raízes musicais. E mesmo acumulando atividades, computou na carreira impressionantes 80 discos gravados. Como apresentadora, começou na TV Record, seguiu na Tupi e outras emissoras, até estabelecer de vez seu programa "Viola, Minha Viola" na TV Cultura, uma grande referência para a música caipira e de raiz, que a fez ficar no ar por mais de 30 anos ininterruptos e segundo sua filha, o verdadeiro responsável por tê-la mantido em plena atividade e vivacidade às portas dos 90 anos. Inezita nunca se rendeu à modismos e sempre manteve um pé atrás com relação à nova música sertaneja, principalmente a que mistura estilos e abusa na eletrônica. Abriu exceções para Daniel e Chitãozinho e Xororó em seu programa, mas precisou brigar muito para não abrir a porteira para outras atrações das paradas e em alguns momentos mais críticos, quase saiu. No fim prevaleceu sua força e convicção. Em entrevistas e depoimentos soprou-se que havia um dicionário musical sendo preparado há anos pela apresentadora, algo natural para uma colaboradora habitual da historiografia interiorana. O seu imenso trabalho de devoção a esse rico universo regional brasileiro certamente se perpetuará. Obrigado, Inezita.


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