13 de novembro de 2014

Dom Pepe

Dom Pepe agitando a noite ao lado de seu "brother" Nelson Motta (Acervo pessoal Nelson Motta)
Ontem faleceu uma lenda da noite - e quem deu o toque no Facebook foi meu valoroso amigo Rick Berlitz. Dom Pepe fez o diabo entre os anos 70 e início dos anos 80 em casas noturnas cariocas com seu bordão: "Agora vocês vão pular feito pipoca", e ao lado de Big Boy e Ademir formou o trio mais importante de "bailes" ( sim, era assim que chamava quando eles começaram) e discotecagem do Rio de Janeiro. Um de seus grandes amigos pela vida, Nelson Motta escreveu um texto bem completo sobre Dom Pepe na rede, deixando claro que o conhecia mesmo como um irmão. Transcrevo-o aqui, na íntegra, como homenagem a esse grande "agitador" e "missionário do divertimento":

"Fazendo a pista pular feito pipoca, Morro da Urca, 1979"

Por Nelson Motta

Hoje perdi meu mais antigo e querido amigo. Nos conhecemos aos 8 anos de idade e nunca nos separamos. Além de um pioneiro da discotecagem nas noites cariocas ao lado de Big Boy e Ademir, Dom Pepe era um DJ sensacional – como sabem todos que dançaram e se alegraram com suas músicas no Dancin’ Days, no Noites Cariocas, na Paulicéia Desvairada e no African Bar. Mas sobretudo foi um ser humano raro no afeto, no companheirismo e na alegria. E no talento para viver e fazer amigos.
A identidade secreta de Dom Pepe era Luiz Francisco, mas só sua mãe o chamava assim. Rosa era cozinheira na casa de um desembargador vizinho de minha família, num edificiozinho do Bairro Peixoto, e Dom Pepe foi criado pelo desembargador junto com os filhos da casa. Era educado, estudou no Pedro II, falava inglês. Aos 20 anos ficou conhecido em Ipanema como ”Pelé”, e era o discotecário da boate Sucata, de Ricardo Amaral, num tempo em que todo neguinho carioca era chamado de Pelé. Mas logo foi para Londres, onde conviveu intensamente com Julio Bressane, Neville de Almeida, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Hélio Oiticica e outros brazucas exilados. E como “Peleh” não funcionava com os ingleses, ficou conhecido como Dom Pepe. Para sempre.
E mais, se casou com uma grega, Anouska, com quem ficou até o fim da vida. Circulou pela Europa inteira fazendo amigos e divertindo as pessoas com seu humor, sua malandragem e seus discos de música brasileira.
Nos reencontramos em 1976, quando ele voltou ao Brasil e o chamei para ser o apresentador do festival Som, Sol e Surf, em Saquarema, estrelado por Rita Lee, Raul Seixas e Angela Rorô. E não nos desgrudamos mais. Primeiro na discoteca Dancin’Days, que deve muito do seu sucesso tanto às Frenéticas como ao DJ Dom Pepe, que incendiava a pista com petardos musicais e gritava, às
gargalhadas, “ agora você vão pular feito pipoca”.
No Noites Cariocas, em 1980, com o fim da disco music, ele lançou com Julio Barroso a “Música Prá Pular Brasileira”, fazendo a pista ferver só com discos de artistas brasileiros de rock, samba, frevo, samba-rock, baião, Rita Lee, Tim Maia, Pepeu Gomes, Zé Ramalho, Banda Black Rio, não ficavam devendo nada às melhores pistas do mundo – como sabem os muitos gringos que subiam ao Morro da Urca e pulavam feito pipoca.
Em 1982, Dom Pepe foi à Copa do Mundo na Espanha e se tornou
personagem de meu livro “Resenha esportiva”, com nossas aventuras em Sevilha e Barcelona, registrando suas incontáveis tiradas que provocavam gargalhadas em várias línguas.
Depois de discotecar mil e uma noites no Morro da Urca, misturando seu som com o de Lulu Santos, Paralamas, Titãs, Barão Vermelho, Blitz, Gang 90 e as Absurdettes e mais de 150 bandas de rock dos anos 80, Dom Pepe foi passar uma temporada em Roma, onde já estávamos eu e Euclydes Marinho, e vivemos seis meses de algo muito próximo da felicidade plena e fugaz na Cidade Eterna.
Comendo, bebendo, rindo, fumando haxixe, nos divertindo com os italianos e passeando pelas ruas de Roma falando da vida e da arte e da beleza que nos rodeavam dia e noite. Como irmãos.
Ao longo de 62 anos, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, nos sucessos e nos fracassos, nas paixões correspondidas e nas dores de corno, nos momentos de glória e nas rebordosas monumentais, nas grandes jogadas e nas roubadas, estive mais próximo de Dom Pepe do que de minhas irmãs de sangue, foi um irmão por escolha que me ensinou muito da vida, da música e da amizade.
Nossa aventura seguinte foi o African Bar, em 1987, uma ideia dele baseado, e bota baseado nisso, numa boatezinha africana que viu em Roma. Era uma casinha de dois andares no Leblon, que tinha um piano bar com Johnny Alf ( ! ) no térreo e no andar de cima uma pista de dança com Dom Pepe lançando a novidade do samba-reggae do Olodum e da Banda Reflexus, o novos sons afro que vinham da Bahia, e mais: com quatro percussionistas tocando ao vivo junto com o disco. A pista explodia.
Nossa ultima temporada na noite foi em 1990, com o Mamma Africa, no Morro da Urca, outra ideia dele, que era uma versão de massa do African Bar, com tudo aumentado, doze percussionistas tocando ao vivo com o som de Dom Pepe e grandes shows de artistas com pegada afro-brasileira.
Com sua inteligencia, sua simpatia e seu humor, Dom Pepe era um príncipe da malandragem carioca, exímio dançarino e marrento vocacional, que passou a vida alegrando as pessoas e fazendo amigos de todos os sexos e gerações. Se dava bem em qualquer ambiente, de favelas as coberturas da Vieira Souto, mas seu habitat natural era o Arpoador, onde pediu que suas cinzas fossem jogadas ao vento e ao mar.
Hoje Dom Pepe se foi, em silencio. Mas toda a música e alegria que ele espalhou durante 30 anos vive nas melhores memórias de todos que ele fez pular feito pipoca. Adeus, bróder, obrigado por tudo.

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